Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta
descrita como crime ou contravenção penal.
Dado que os menores de 18 anos são inimputáveis
perante a CF, artigo 228, bem como ao Código Penal, art, 27, não há se falar em
crimes ou contravenções.
Assim, toda conduta que se enquadre daquela forma
será denominada ato infrancional, quando o sujeito ativo for criança ou
adolescente. Dessa forma, a responsabilização é socioeducativa ou estatutária e
não penal.
Por outro lado, o sujeito ativo do ato infracional
é sempre o adolescente, visto que a criança fica adstrita apenas às medidas de
proteção descritas no art. 101.
Súmula 338: “A prescrição penal é aplicável nas
medidas socioeducativa”.
Ainda, deverá ser observado o devido processo legal
nos processos atinentes a atos infrancionais.
Claro é o entendimento que deve ser observada a
natureza pedagógica das medidas aplicáveis a adolescentes.
Art. 104. São penalmente
inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta
Lei.
Parágrafo único. Para os efeitos
desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato.
Embora inimputável, o adolescente é responsável por
seus atos, dentro da sua condição especial de pessoa em desenvolvimento.
Art. 105. Ao ato infracional
praticado por criança corresponderão as medidas previstas no art. 101.
Quando a criança se vê envolvida em ato
infracional, deverá ser encaminhada ao Conselho Tutelar, onde lhe será aplicada
medida protetiva mais adequada (art. 101).
No direito penal a regra são penas privativas de
liberdade, e, excepcionalmente, penas restritivas de direito, enquanto que no
Estatuto, a exceção é a medida de internação.
Art. 106. Nenhum adolescente será privado de sua
liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e
fundamentada da autoridade judiciária competente.
Parágrafo único. O adolescente tem direito à
identificação dos responsáveis pela sua apreensão, devendo ser informado acerca
de seus direitos.
A condição de irregularidade recai hoje sobre a
família, a sociedade e o Estado, não mais sobre a criança ou adolescente, como
acontecia na doutrina da situação irregular, com base no revogado Código de
Menores.
Deduz-se do presente artigo as seguintes garantias:
- princípio da presunção de inocência;
- direito de ser informado de seus direitos;
- direito ao devido processo legal.
- a fundamentação decorre da segunça jurídica, ou
seja, as partes devem saber os motivos de convencimento em face da decisão
judicial.
O remédio contra a ilegalidade é o Habeas Corpus,
cabível quando alguém sofrer ou estar na iminência de sofrer violência ou
coação em sua liberdade de locomoção. (art 5º, LXVIII, CF).
Art. 107. A apreensão de
qualquer adolescente e o local onde se encontra recolhido serão incontinenti comunicados
à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por
ele indicada.
Parágrafo único. Examinar-se-á,
desde logo e sob pena de responsabilidade, a possibilidade de liberação
imediata.
A inobservância do presente artigo, por parte da
autoridade responsável, caracteriza o tipo penal descrito no art. 231 do
Estatuto, crime próprio, pois o sujeito ativo é a autoridade policial.
Art. 108. A internação, antes da
sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias.
Parágrafo único. A decisão
deverá ser fundamentada e basear-se em indícios suficientes de autoria e
materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida.
Atentar para o art. 174, o qual trata da soltura
imediata do adolescente, diante do comparecimento dos pais ou responsável,
salvo rara exceção, quando o ato infracional for de grande repercussão social.
Jurisprudência:
Habeas Corpus. Decorrido o prazo de 45 dias, e não
havendo fato relevante para superação desse prazo, cabe Habeas Corpus para
reparar constrangimento ilegal. Ordem concedida. TJDF, HC 127879.
Os prazos do Estatuto são sempre imperativos, não
admitindo prorrogações. Cabe sempre a participação do MP, pois trata-se de
interesses difusos e indisponíveis, tutelados pelo Estado. Ainda, a
titularidade de ação penal pública é exclusiva do MP.
Art. 109. O adolescente civilmente
identificado não será submetido a identificação compulsória pelos órgãos
policiais, de proteção e judiciais, salvo para efeito de confrontação, havendo
dúvida fundada.
Art. 110. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal.
Art. 111. São asseguradas ao adolescente, entre outras, as seguintes garantias:
I - pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente;
II - igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa;
III - defesa técnica por advogado;
IV - assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei;
V - direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente;
VI - direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento.
“O rol de garantias do art. 111 não é exaustivo”,
basta observar a expressão “entre outras” no caput do dispositivo.
“O inciso III estabelece a obrigatoriedade da presença de procurador aos adolescente”. O Código de Menores apenas considerava essa situação facultativa.
A não interferência de advogado, assim como sua deficiência expressiva, poderá ensejar a anulação do processo.
Assim, “a ausência de advogado é causa de nulidade
absoluta do processo”. Para tanto, observar a Súmula 523 do STF. Seria o caso
de Defensor Público, ou, na sua falta, advogado nomeado pelo juiz.
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida; (mínimo de seis meses)
V - inserção em regime de
semiliberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.
§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.
§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.
Bom esclarecer que as medidas têm cunho educativo, não punitivo.
A autoridade competente para aplicar tais medidas é o magistrado, conforme artigo 148, I, ou, na hipótese de remissão, o representante do MP, nos incisos I a IV e VII, arts. 126 a 128.
Art. 113. Aplica-se a este Capítulo o disposto nos arts. 99 e 100.
Dar prioridade ao enfoque pedagógico das mediadas.
Art. 114. A imposição das medidas previstas nos incisos II a VI do art. 112 pressupõe a existência de provas suficientes da autoria e da materialidade da infração, ressalvada a hipótese de remissão, nos termos do art. 127.
Parágrafo único. A advertência poderá ser aplicada sempre que houver prova da materialidade e indícios suficientes da autoria.
Observa-se que o inciso I, advertência, não pressupõe
provas suficientes da autoria e da materialidade, porém, não significa
que cabe tal medida em mera suspeita.
Art. 115. A advertência
consistirá em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada.
Dirigida ao adolescente autor da infração,
aplicada pelo magistrado, na presença dos pais ou responsável.
Há controvérsias, quanto à formação ou não de
processo, e, em consequência, do contraditório.
Art. 116. Em se tratando de ato
infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o
caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou,
por outra forma, compense o prejuízo da vítima.
Parágrafo único. Havendo
manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra adequada.
O artigo além de educativo trata da reparação do
dano.
O Código Civil, em seu artigo 932, I, determina que
os pais são responsáveis pela reparação patrimonial.
Art. 932. São também responsáveis pela reparação
civil:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob
sua autoridade e em sua companhia;
Art. 117. A prestação de
serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse
geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais,
hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas
comunitários ou governamentais.
Parágrafo único. As tarefas
serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas
durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados
ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a freqüência à escola ou à jornada
normal de trabalho.
Considera-se que a medida é opcional por parte do
adolescente, tendo em vista que não é permitido o trabalho forçado, em
qualquer hipótese, conforme §2º do artigo 112 e artigo 5º, inciso XLVII, alínea
‘c’, da CF.
“O trabalho será prestado gratuitamente, com
acompanhamento da autoridade judiciária, o que se efetivará por meio de
relatórios, os quais a entidade beneficiada se obriga a emitir periodicamente”.
Importante:
Poderá adolescente com idade inferior a 14 anos cumprir
medida socioeducativa, prestação de serviços à comunidade (PSC)?
Os tribunais entendem que podem, haja vista que não
se trata de vínculo empregado e empregador, mas medida de caráter educativo,
conforme julgado abaixo:
Jurisprudência:
Ato infracional: Aplicação de medida socioeducativa
de prestação de seviços à comunidade, (...) poderá ser aplicada ao adolescente
(pessoa entre 12 e 18 anos) que pratica ato infracional, como é o caso em
análise. (TJSC, Apelação nº 2003. 002142-6, julgado em 1-4-2003).
Art. 118. A liberdade assistida
será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de
acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.
§ 1º A autoridade designará
pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por
entidade ou programa de atendimento.
§ 2º A liberdade assistida será
fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser
prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o
Ministério Público e o defensor.
A liberdade assistida difere da liberdade vigiada.
Esta busca apenas o controle sobre os atos do adolescente, aquele atua como um
meio de proteção, fortalecendo os vínculos com a família e a comunidade.
A liberdade assistida é menos uma sanção penal e
mais uma medida pedagógica. Terá o adolescente um acompanhamento por orientador
designado pelo juiz.
Art. 119. Incumbe ao orientador,
com o apoio e a supervisão da autoridade competente, a realização dos seguintes
encargos, entre outros:
I - promover socialmente o
adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se
necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social;
II - supervisionar a freqüência
e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua
matrícula;
III - diligenciar no sentido da profissionalização
do adolescente e de sua inserção no mercado de trabalho;
IV - apresentar relatório do
caso.
Sobre esse relatório, quanto mais minucioso,
melhor.
“A liberdade assistida será aplicada diante da
prática reiterada de atos infracionais leves ou nas hipóteses em que, embora
tenha sido praticado ato grave, o contexto social e o comportamento do
adolescente recomendam não seja afastado de usa família e da sua comunidade”.
(Elias, 2004, p.95).
Art. 120. O regime de
semiliberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição
para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente
de autorização judicial.
§ 1º São obrigatórias a
escolarização e a profissionalização, devendo, sempre que possível, ser
utilizados os recursos existentes na comunidade.
§ 2º A medida não comporta prazo
determinado aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação.
No regime de semiliberdade, o adolescente
recolhe-se à noite a um estabelecimento. Durante o dia estará livre para
realizar atividades externas: frequentar escolas e trabalhar, conforme artigo
120, parágrafo primeiro. Para tanto não depende de autorização judicial.
Segundo Silva (1995, p. 185), a semiliberdade
corresponde à semi-internação.
Entende-se que a semiliberdade é um
relaxamento do regime de internação, e uma preparação para a liberdade
assistida.
Quanto aos prazos, em face do § segundo do artigo
120: prazo indeterminado, reavaliação a cada 6 meses, prazo máximo de 3 anos,
liberação compulsória aos 21 anos.
Art. 121. A internação constitui
medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade,
excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
§ 1º Será permitida a realização
de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo
expressa determinação judicial em contrário.
§ 2º A medida não comporta prazo
determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão
fundamentada, no máximo a cada seis meses.
§ 3º Em nenhuma hipótese o
período máximo de internação excederá a três anos.
§ 4º Atingido o limite
estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado
em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida.
§ 5º A liberação será
compulsória aos vinte e um anos de idade.
§ 6º Em qualquer hipótese a
desinternação será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério
Público.
§ 7o A determinação
judicial mencionada no § 1o poderá ser revista a qualquer tempo pela
autoridade judiciária.
Indispensável é o devido processo legal para
medidas privativas de liberdade, conforme artigos 171 a 190 do Estatuto.
Art. 122. A medida de internação
só poderá ser aplicada quando:
I - tratar-se de ato infracional
cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;
II - por reiteração no
cometimento de outras infrações graves;
III - por descumprimento
reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
§ 1o
O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá
ser superior a 3 (três) meses, devendo ser decretada judicialmente após o
devido processo legal.
§ 2º. Em nenhuma hipótese será
aplicada a internação, havendo outra medida adequada.
A medida de internação é cabível somente nos casos
de violência à pessoa ou grave ameaça, reiteração de outras infrações
graves ou mediante descumprimento de medida anteriormente imposta.
Art. 123. A internação deverá ser cumprida em
entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao
abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física
e gravidade da infração.
Parágrafo único. Durante o
período de internação, inclusive provisória, serão obrigatórias atividades
pedagógicas.
A expressão “abrigo” se refere ao acolhimento
institucional. A intenção é separar o adolescente em conflito com a lei daquele
acolhido institucionalmente.
Art. 124. São direitos do
adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes:
I - entrevistar-se pessoalmente
com o representante do Ministério Público;
II - peticionar diretamente a
qualquer autoridade;
III - avistar-se reservadamente
com seu defensor;
IV - ser informado de sua
situação processual, sempre que solicitada;
V - ser tratado com respeito e
dignidade;
VI - permanecer internado na
mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou
responsável;
VII - receber visitas, ao menos,
semanalmente;
VIII - corresponder-se com seus
familiares e amigos;
IX - ter acesso aos objetos
necessários à higiene e asseio pessoal;
X - habitar alojamento em
condições adequadas de higiene e salubridade;
XI - receber escolarização e
profissionalização;
XII - realizar atividades
culturais, esportivas e de lazer:
XIII - ter acesso aos meios de
comunicação social;
XIV - receber assistência
religiosa, segundo a sua crença, e desde que assim o deseje;
XV - manter a posse de seus
objetos pessoais e dispor de local seguro para guardá-los, recebendo
comprovante daqueles porventura depositados em poder da entidade;
XVI - receber, quando de sua
desinternação, os documentos pessoais indispensáveis à vida em sociedade.
§ 1º Em nenhum caso haverá
incomunicabilidade.
§ 2º A autoridade judiciária
poderá suspender temporariamente a visita, inclusive de pais ou responsável, se
existirem motivos sérios e fundados de sua prejudicialidade aos interesses do
adolescente.
O rol de direitos acima elencados não é taxativo,
de sorte que os demais direitos constantes da Lei 8.069/90 devem, por óbvio,
ser respeitados.
Art. 125. É dever do Estado
zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as
medidas adequadas de contenção e segurança.
Para o descumprimento do artigo em foco cabe Ação
Civil Pública de competência do MP, assim como ação de indenização em favor do
adolescente lesado ou sua família.
Art. 126. Antes de iniciado o
procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do
Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do
processo, atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto
social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor
participação no ato infracional.
Parágrafo único. Iniciado o
procedimento, a concessão da remissão pela autoridade judiciária importará na suspensão
ou extinção do processo.
A remissão nada mais é do que o perdão em
face da menor participação do adolescente no ato infracional.
Assim, temos duas formas de remissão: a oferecida
pelo MP (caput), antes de iniciado o processo, e a judicial (parágrafo
único), determinada pelo magistrado, após iniciado o processo.
Art. 127. A remissão não implica
necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem
prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir eventualmente a
aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime
de semiliberdade e a internação.
O processo extinto pela remissão não deverá ser
considerado para aplicação de medida posterior, ainda que tenha sido cumulada
com medida socioeducativa.
Art. 128. A medida aplicada por
força da remissão poderá ser revista judicialmente, a qualquer tempo, mediante
pedido expresso do adolescente ou de seu representante legal, ou do Ministério
Público.
O artigo abre a possibilidade da revisão judicial
da medida aplicada no momento da remissão.